Coalizão Energia Limpa

‘Leilão do Fim do Mundo’ abre precedente perigoso, diz nota da Coalizão Energia Limpa e do Observatório do Clima

‘Leilão do Fim do Mundo’ abre precedente perigoso, diz nota da Coalizão Energia Limpa e do Observatório do Clima Além de insistir na exploração de combustíveis fósseis mesmo com a emergência climática, leilão da ANP mantém ameaças a áreas ambientalmente sensíveis, Terras indígenas e Comunidades Quilombolas. O leilão de novas áreas de exploração de petróleo e gás fóssil da Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizado hoje abriu um precedente perigoso. E isso exatamente no dia em que a COP28 aprovou o documento final clamando pela transição para longe dos combustíveis fósseis. Desde que a Agência começou a promover licitações do tipo no Brasil, em 2000, a questão ambiental muitas vezes ficou em segundo plano na escolha de blocos e setores. Desta vez o que já era ruim ficou muito pior. Pela primeira vez a agência ofertou blocos próximos e com sobreposição a Terras Indígenas e comunidades quilombolas. O mesmo ocorreu com Unidades de Conservação. E com aval do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), formado majoritariamente por representantes do governo federal. Mesmo que várias dessas áreas não tenham sido arrematadas, vão continuar no “banco de blocos de petróleo e gás” da agência. Afinal, é uma “oferta permanente” e a “prateleira” já conta com quase mil blocos. Assim, basta uma empresa demonstrar interesse para que o órgão regulador inclua essas áreas próximas a regiões extremamente sensíveis ambiental e socialmente em licitações futuras. Os 603 blocos ofertados no “Leilão do Fim do Mundo” incluíram áreas e outras próximas ao arquipélago de Fernando de Noronha e ao Atol das Rocas. Felizmente estes blocos não foram arrematados. Mas a ameaça continua. A inclusão destas áreas comprova o perigo da oferta permanente, já que são blocos que estiveram em licitações anteriores da ANP. E mesmo com todos os impactos sociais e ambientais negativos da atividade petrolífera nessas regiões, a agência as mantém disponíveis para o mercado. A Amazônia não teve a mesma sorte de Noronha e do Atol das Rocas. Japiim, uma área de acumulação marginal no coração da floresta foi arrematado pela Eneva em parceria com a ATEM, distribuidora de combustíveis que comprou da Petrobras a Refinaria Isaac Sabá (Reman), em Manaus. A ATEM ainda adquiriu 4 blocos para exploração de petróleo e gás fóssil na região. A Eneva opera o campo de gás fóssil de Azulão na Amazônia e vem sendo acusada de não respeitar os direitos dos Povos Indígenas atingidos pelo empreendimento. “Não à toa dizemos que foi o pior leilão de petróleo e gás promovido pela ANP em todos os tempos. Todas as diretrizes ambientais e sociais levadas à agência reguladora antes de definir essa licitação não foram cumpridas, por isso, a nossa litigância continuará nos tribunais”, ressalta Nicole Oliveira, diretora executiva do Arayara. O leilão também vai na contramão das propostas da Agência Internacional de Energia (IEA) e até mesmo consultorias do próprio setor de petróleo e gás fóssil. Com as reservas já descobertas e a necessidade urgente de eliminar os combustíveis fósseis da matriz energética mundial para mantermos o aquecimento global abaixo de 1,5oC, não podemos mais abrir novas áreas de exploração. Se a exploração dos blocos arrematados for bem-sucedida, vai despejar milhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera. A estas se somam as áreas do pré-sal das bacias de Santos e Campos que a ANP também ofertou sob o regime de partilha da produção neste leilão e que, mesmo não arrematadas, também estarão sob oferta permanente. “A ciência já comprovou de forma exaustiva que para manter o aquecimento global nos 1,5ºC determinado no Acordo de Paris precisamos interromper o quanto antes a produção e o consumo dos combustíveis fósseis. E isto foi sinalizado pelas resoluções tomadas na COP28. Sabemos que esse movimento tem de começar pelos países ricos, já que foram eles quem começaram a queimar carvão, petróleo e gás fóssil, uma posição também defendida pelo governo brasileiro. Mas é extremamente contraditório que o Brasil, que já tem reservas descobertas em grande volume no pré-sal, ainda insista em querer explorar mais combustíveis fósseis. E pior: em regiões de alta sensibilidade ambiental ou que podem afetar indígenas, quilombolas e comunidades litorâneas que vivem da pesca de subsistência”, avalia Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. O “Leilão do Fim do Mundo”, independentemente de seu resultado, tornou-se a “cereja do bolo” das posições erráticas do Brasil na COP28, em Dubai. O país que chegou à conferência do clima disposto a liderar as discussões climáticas foi o mesmo que anunciou sua adesão à Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+). Um cartel que quer encontrar alternativas para estender a produção de combustíveis fósseis “até a última gota” e que tumultuou a COP perto de seu fim, ao agir para retirar do documento final da conferência qualquer alusão a combustíveis fósseis. “Fazer um leilão de novas áreas para a exploração de petróleo assim que acaba a COP28 é um despautério. Só semelhante a se juntar ao cartel da OPEP no primeiro dia da conferência do clima. A ciência climática é clara, não podemos mais abrir novas áreas de exploração de combustíveis fósseis, se não será game over para um planeta habitável. Este leilão acontece num momento histórico crítico para a humanidade.”, destaca Délcio Rodrigues, diretor-executivo do Instituto Climainfo. Por isso é preciso que o governo brasileiro reveja urgentemente seus planos energéticos, se de fato quiser assumir o protagonismo na transição energética global. Em vários leilões da ANP, foram as ações de organizações, apontando os riscos de judicialização, que fizeram empresas desistirem dessas licitações. Mas não é possível contar com isso se o governo insistir em extrair petróleo e gás fóssil “até a última gota”. “Independentemente do resultado do leilão em volume de contratação, o sinal de oferecer um volume recorde de blocos mostra uma grande desconexão do Brasil com a urgência de descontinuar o uso de combustíveis fósseis. A contribuição brasileira nas negociações em pressionar para o financiamento da transição do Sul global não pode ser dissociada do compromisso em parar de ampliar a estrutura de exploração

Coalizão Energia Limpa: O que já é ruim pode piorar, vem aí o Leilão do Fim do Mundo!

Coalizão Energia Limpa: O que já é ruim pode piorar, vem aí o Leilão do Fim do Mundo! Posicionamento Crítico:  A necessidade econômica fez o Brasil ser pródigo em fontes renováveis de energia. Exemplos históricos disso são as hidrelétricas implantadas em várias partes do país, aproveitando o potencial dos rios brasileiros, e o Programa Nacional do Álcool (Proalcool), que criou o etanol como uma alternativa aos combustíveis fósseis ante as crises do petróleo dos anos 1970. Ainda que o modelo de implantação dessas fontes seja questionável pelos impactos sociais e ambientais – naquela época, essas questões eram relegadas a um segundo plano –, esse investimento acabou ajudando o país a ter uma das matrizes energéticas mais limpas (ou menos sujas) do planeta. Essa história, que ganhou mais nuances renováveis com a mistura do biodiesel no diesel fóssil e a expansão crescente das fontes eólica e solar na matriz elétrica, deu ao Brasil credenciais para ser um líder global na transição energética da qual o planeta precisa para deixar os combustíveis fósseis para trás e minimizar os efeitos das mudanças climáticas. Foi este país que chegou à COP28 disposto a puxar discussões sobre as soluções para a crise climática. Mas, como diz o ditado, “o diabo mora nos detalhes”. Em vez de protagonista nos debates climáticos, o Brasil saiu da Conferência do Clima da ONU de 2023 com uma adesão à Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (OPEP+). O cartel que fez os preços do petróleo dispararem nos anos 1970, quando o Brasil criou o Proalcool, e que agora não tem o menor interesse em criar prazos para a eliminação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial. Com muita boa vontade, poderíamos tentar aceitar as desculpas do presidente Lula para essa estranha adesão: primeiro, que o Brasil “não vai apitar nada” na OPEP; segundo, que sua intenção é “convencer” os países integrantes do cartel a fazer a transição energética. Mas essa boa vontade termina quando se lembra que, no dia seguinte ao fim oficial da COP28, o Brasil promove um leilão de 603 blocos para exploração de petróleo e gás fóssil. Mais combustíveis fósseis a caminho, com mais emissões de gases de efeito estufa como resultado. Transição energética? Em algum lugar do mundo, mas não no Brasil. Um estudo do Instituto Arayara divulgado em 6 de dezembro, uma semana antes do famigerado certame, mostra o tamanho do estrago que pode ocorrer. Se o leilão conseguir vender todas as áreas e a exploração desses blocos for bem-sucedida, encontrando e produzindo combustíveis fósseis, as emissões com a queima do petróleo e gás fóssil vão superar 1 bilhão de toneladas de carbono equivalente (GtCO2e). Isso equivale a quase metade de todas as emissões brasileiras hoje. É quase igual ao 1,1 GtCO2e que o país pretende reduzir em suas emissões até 2030. Ou seja, o Brasil troca seis por sete. Ainda que se argumente que o petróleo produzido seja consumido parcialmente fora do Brasil, as emissões terão impacto global e vão exceder o orçamento de carbono. O que não pode acontecer se quisermos manter a meta global de 1,5ºC de elevação da temperatura sobre os níveis pré-industriais combinada por todas as nações no Acordo de Paris. E não para aí, mostra o Arayara. Muitas das áreas ofertadas no leilão conduzido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) têm graves problemas socioambientais, com a exploração de combustíveis fósseis afetando Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TIs) e Territórios Quilombolas. São 366 km2 de UCs, 23 TIs – das quais 22 na Amazônia – e cinco áreas quilombolas em risco direto. Além disso, dos blocos do leilão, 11 se sobrepõem à cadeia de montanhas submersas de Fernando de Noronha, e 12 à região de Abrolhos. E uma das áreas está a apenas 2,4 quilômetros da área de mineração de sal-gema da Braskem em Maceió, onde vários bairros estão afundando. Como a atividade petrolífera envolve a perfuração de poços, os possíveis efeitos disso sobre as minas em queda são imprevisíveis. A ANP lava as mãos. Nega os impactos socioambientais, mantém as áreas em oferta para o mercado – e não apenas no leilão de 13 de dezembro, mas em oferta permanente, durante todo o ano – e, pressionada, diz apenas que qualquer pendência do tipo deverá ser resolvida no processo de licenciamento ambiental. Vale lembrar que esse modelo de Oferta Permanente foi implementado durante o governo Temer e não foi aprimorado no atual governo, apesar de todas as fragilidades de riscos socioambientais apontadas no processo. Vale lembrar que é esse vácuo ambiental que tem feito o IBAMA ser duramente pressionado por alas do governo quanto ao licenciamento para a Petrobras explorar o bloco FZA-M-59, na Foz do Rio Amazonas. Uma área de altíssima sensibilidade ambiental e na qual a própria Petrobras admite dificuldades para conter um vazamento de petróleo. Tecnicamente, a exploração na Foz do Amazonas é inviável ambientalmente. Mas o “deixa-que-eu-deixo” da ANP, com o aval de integrantes do governo, faz com que uma decisão técnica do órgão ambiental seja questionada de forma política. Como se fosse possível rasgar as leis porque um ou outro político querem. Diante disso, o governo brasileiro precisa dizer de fato a que veio. Se “o Brasil voltou”, como disse Lula ao assumir a presidência, ele voltou para onde? Para um desenvolvimentismo do século passado, exploratório, pouco ligado às questões ambientais? Ou para um planeta que precisa definir já quando vai parar de produzir e consumir combustíveis fósseis, a principal atitude a ser tomada para garantir a sobrevivência da espécie humana? A escolha brasileira envolve também os subsídios para a indústria de petróleo e gás fóssil. Como mostrou um estudo lançado recentemente pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os benefícios para esse setor somaram R$ 80,9 bilhões em 2022, 20% a mais do que o gasto em 2021, e cinco vezes o valor destinado às fontes renováveis de energia. Mais uma vez, a conta da transição energética brasileira não fecha. Pior: fecha no vermelho, com os combustíveis fósseis sendo muito mais