Coalizão Energia Limpa

Coalizão Energia Limpa: O que já é ruim pode piorar, vem aí o Leilão do Fim do Mundo!

Posicionamento Crítico: 

A necessidade econômica fez o Brasil ser pródigo em fontes renováveis de energia. Exemplos históricos disso são as hidrelétricas implantadas em várias partes do país, aproveitando o potencial dos rios brasileiros, e o Programa Nacional do Álcool (Proalcool), que criou o etanol como uma alternativa aos combustíveis fósseis ante as crises do petróleo dos anos 1970. Ainda que o modelo de implantação dessas fontes seja questionável pelos impactos sociais e ambientais – naquela época, essas questões eram relegadas a um segundo plano –, esse investimento acabou ajudando o país a ter uma das matrizes energéticas mais limpas (ou menos sujas) do planeta.

Essa história, que ganhou mais nuances renováveis com a mistura do biodiesel no diesel fóssil e a expansão crescente das fontes eólica e solar na matriz elétrica, deu ao Brasil credenciais para ser um líder global na transição energética da qual o planeta precisa para deixar os combustíveis fósseis para trás e minimizar os efeitos das mudanças climáticas. Foi este país que chegou à COP28 disposto a puxar discussões sobre as soluções para a crise climática.

Mas, como diz o ditado, “o diabo mora nos detalhes”. Em vez de protagonista nos debates climáticos, o Brasil saiu da Conferência do Clima da ONU de 2023 com uma adesão à Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (OPEP+). O cartel que fez os preços do petróleo dispararem nos anos 1970, quando o Brasil criou o Proalcool, e que agora não tem o menor interesse em criar prazos para a eliminação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial.

Com muita boa vontade, poderíamos tentar aceitar as desculpas do presidente Lula para essa estranha adesão: primeiro, que o Brasil “não vai apitar nada” na OPEP; segundo, que sua intenção é “convencer” os países integrantes do cartel a fazer a transição energética. Mas essa boa vontade termina quando se lembra que, no dia seguinte ao fim oficial da COP28, o Brasil promove um leilão de 603 blocos para exploração de petróleo e gás fóssil. Mais combustíveis fósseis a caminho, com mais emissões de gases de efeito estufa como resultado. Transição energética? Em algum lugar do mundo, mas não no Brasil.

Um estudo do Instituto Arayara divulgado em 6 de dezembro, uma semana antes do famigerado certame, mostra o tamanho do estrago que pode ocorrer. Se o leilão conseguir vender todas as áreas e a exploração desses blocos for bem-sucedida, encontrando e produzindo combustíveis fósseis, as emissões com a queima do petróleo e gás fóssil vão superar 1 bilhão de toneladas de carbono equivalente (GtCO2e). Isso equivale a quase metade de todas as emissões brasileiras hoje. É quase igual ao 1,1 GtCO2e que o país pretende reduzir em suas emissões até 2030. Ou seja, o Brasil troca seis por sete.

Ainda que se argumente que o petróleo produzido seja consumido parcialmente fora do Brasil, as emissões terão impacto global e vão exceder o orçamento de carbono. O que não pode acontecer se quisermos manter a meta global de 1,5ºC de elevação da temperatura sobre os níveis pré-industriais combinada por todas as nações no Acordo de Paris.

E não para aí, mostra o Arayara. Muitas das áreas ofertadas no leilão conduzido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) têm graves problemas socioambientais, com a exploração de combustíveis fósseis afetando Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TIs) e Territórios Quilombolas. São 366 km2 de UCs, 23 TIs – das quais 22 na Amazônia – e cinco áreas quilombolas em risco direto.

Além disso, dos blocos do leilão, 11 se sobrepõem à cadeia de montanhas submersas de Fernando de Noronha, e 12 à região de Abrolhos. E uma das áreas está a apenas 2,4 quilômetros da área de mineração de sal-gema da Braskem em Maceió, onde vários bairros estão afundando. Como a atividade petrolífera envolve a perfuração de poços, os possíveis efeitos disso sobre as minas em queda são imprevisíveis.

A ANP lava as mãos. Nega os impactos socioambientais, mantém as áreas em oferta para o mercado – e não apenas no leilão de 13 de dezembro, mas em oferta permanente, durante todo o ano – e, pressionada, diz apenas que qualquer pendência do tipo deverá ser resolvida no processo de licenciamento ambiental. Vale lembrar que esse modelo de Oferta Permanente foi implementado durante o governo Temer e não foi aprimorado no atual governo, apesar de todas as fragilidades de riscos socioambientais apontadas no processo.

Vale lembrar que é esse vácuo ambiental que tem feito o IBAMA ser duramente pressionado por alas do governo quanto ao licenciamento para a Petrobras explorar o bloco FZA-M-59, na Foz do Rio Amazonas. Uma área de altíssima sensibilidade ambiental e na qual a própria Petrobras admite dificuldades para conter um vazamento de petróleo.

Tecnicamente, a exploração na Foz do Amazonas é inviável ambientalmente. Mas o “deixa-que-eu-deixo” da ANP, com o aval de integrantes do governo, faz com que uma decisão técnica do órgão ambiental seja questionada de forma política. Como se fosse possível rasgar as leis porque um ou outro político querem.

Diante disso, o governo brasileiro precisa dizer de fato a que veio. Se “o Brasil voltou”, como disse Lula ao assumir a presidência, ele voltou para onde? Para um desenvolvimentismo do século passado, exploratório, pouco ligado às questões ambientais? Ou para um planeta que precisa definir já quando vai parar de produzir e consumir combustíveis fósseis, a principal atitude a ser tomada para garantir a sobrevivência da espécie humana?

A escolha brasileira envolve também os subsídios para a indústria de petróleo e gás fóssil. Como mostrou um estudo lançado recentemente pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os benefícios para esse setor somaram R$ 80,9 bilhões em 2022, 20% a mais do que o gasto em 2021, e cinco vezes o valor destinado às fontes renováveis de energia. Mais uma vez, a conta da transição energética brasileira não fecha. Pior: fecha no vermelho, com os combustíveis fósseis sendo muito mais valorizados do que a energia renovável. Caso a exploração de novas reservas de petróleo e gás fóssil se concretize, como pretende o leilão dos 603 blocos, os incentivos fiscais destinados ao setor de óleo e gás irão aumentar, pois os subsídios são um dos pilares que viabilizam estes grandes empreendimentos.

É verdade que, nas discussões sobre o phase out dos combustíveis fósseis, a obrigação prioritária de eliminar essa energia suja deve ser dos países ricos. Afinal, foram eles que mais queimaram (e continuam queimando) petróleo, gás e carvão. Mas isso não isenta o Brasil de agir. Já seria excelente o país decretar imediatamente a Amazônia e outras regiões sensíveis ambientalmente como zonas de exclusão para a exploração de hidrocarbonetos. Mas, em vez disso, o que se vê são blocos de petróleo e gás fóssil sendo ofertados, seja num certame, seja na oferta permanente da ANP.

Assim, o que vai ocorrer no dia 13 de dezembro não é “apenas um leilão”. É o pior leilão de petróleo da história do país. É o leilão do fim do mundo. Para um país que quer liderar o debate climático, é (mais) um péssimo sinal para o planeta. E um possível protagonismo sendo jogado na lata do lixo. De novo.

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