Desdobramentos da primeira Ação Civil Pública climática do Nordeste contra licenciamento ambiental da UTE Portocem no Ceará
Por Instituto VerdeLuz:
Era 2017 quando se iniciou o licenciamento ambiental da Usina Termelétrica (UTE) Portocem, no Ceará. Sete anos depois, o processo segue em andamento, sendo alvo da primeira Ação Civil Pública climática do Nordeste.
Ainda em processo de licenciamento ambiental, a Usina Termelétrica (UTE) Portocem, sob responsabilidade do grupo Ceiba Energy, consiste em um empreendimento movido a gás fóssil e com potência nominal total de 2.189,6 MW, que pretendia se instalar no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), no Ceará. Apesar da magnitude do empreendimento, em 2017, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a Superintendência Estadual de Meio Ambiente do Ceará (SEMACE) assinaram um Acordo de Cooperação Técnica transferindo a competência do licenciamento ambiental para o órgão estadual.
Em 2023, o Instituto Verdeluz e o Povo Anacé da Terra Tradicional, com apoio do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), ajuizaram uma Ação Civil Pública na Justiça Federal solicitando a imediata suspensão do processo de licenciamento ambiental da UTE Portocem. Nesse período, a termelétrica possuía duas licenças emitidas pela SEMACE: a Licença Prévia e a Licença de Instalação. Inicialmente, no polo passivo, foram citadas a Portocem Geração de Energia S.A. e a SEMACE. Contudo, após intimação do juízo, foram incluídos o IBAMA e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) como litisconsortes passivos. Entre os argumentos utilizados pelos autores para solicitar a suspensão do licenciamento ambiental estão:
- Exclusão da existência do povo Anacé no Estudo de Impacto Ambiental e no Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA);
- Ausência de consulta prévia, livre e informada, como garante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
- Ausência de participação pública efetiva no processo de licenciamento ambiental;
- Desconsideração dos impactos relativos aos recursos hídricos;
- Desprezo pelos potenciais impactos socioeconômicos, uma vez que a UTE Portocem tem a potencialidade de aprofundar os conflitos já existentes na região;
- Subestimação dos danos à saúde decorrentes da queima de combustíveis fósseis;
- Descaso com os potenciais impactos ligados às mudanças climáticas.
Alguns meses depois, todos os agentes do polo passivo se manifestaram. De modo geral, o mérito das mudanças climáticas não foi citado por nenhum deles. O povo Anacé continuou sendo colocado em uma posição de não afetado, sob o discurso de não ter seus territórios reconhecidos e demarcados, mesmo que este processo esteja em andamento no âmbito da FUNAI. Não obstante, a 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, instância com competência de processamento da Ação Civil Pública, defendeu que a termelétrica Portocem é um “[…] empreendimento que pode beneficiar todo o Estado do Ceará, inclusive os índios ora representados pelas entidades autoras […]” – nas palavras utilizadas pelo juiz federal.
No final de 2023, o grupo Ceiba Energy anunciou que a Portocem não seria mais instalada no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP) devido à ausência do fornecimento de gás fóssil pela petrolífera Shell, que ficou com abastecimento comprometido após a guerra na Ucrânia. Assim, o empreendimento foi transferido para o Pará, mas o perigo da chegada de uma nova termelétrica no Ceará permaneceu. O pré-contrato para o projeto termelétrico foi mantido e, atualmente, está sob responsabilidade da Jandaia Geração de Energia S.A., também do grupo Ceiba Energy. A nova termelétrica herdou da UTE Portocem as Licenças Prévia e de Instalação emitidas pela SEMACE, bem como a Outorga de Uso da Água cedida pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH), sem que nenhuma das irregularidades do seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA) tenha sido reparada.
A UTE Jandaia também está responsável pela construção de um terminal de gás para o Porto do Pecém e assinou, em agosto de 2024, um Termo de Compromisso com a Companhia de Gás do Ceará (CEGÁS). Ao assinar tal termo, a empresa demonstra interesse em firmar um contrato de prestação de serviço para utilizar o sistema de distribuição de gás fóssil da CEGÁS, necessário para o funcionamento das demais termelétricas da região do Pecém. Sob o argumento de garantir a segurança energética do Brasil, a Jandaia está à espera do próximo leilão de energia da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Fontes:
CEGÁS. CEGÁS e Jandaia S.A assinam Termo de Compromisso para utilização do sistema de distribuição de Gás Natural no Pecém. 2024. Disponível em: <https://www.cegas.com.br/cegas-e-jandaia-s-a-assinam-termo-de-compromisso-para-utilizacao-do-sistema-de-distribuicao-de-gas-natural-no-pecem/>.
DIÁRIO DO NORDESTE. Por que o Ceará perdeu um investimento de quase R$ 5 bilhões da Portocem? 2024. Disponível em: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/negocios/por-que-o-ceara-perdeu-um-investimento-de-quase-r-5-bilhoes-da-portocem-1.3463358>. Acesso em: 24 out. 2024.
JUMA. Panorama de Litigância Climática no Brasil. [s. d]. Disponível em: <https://litigancia.biobd.inf.puc-rio.br/visualizacao_caso/505/0/>.
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